A lista de benefícios proporcionados pelos exercícios físicos parece não ter fim. Mas, acredite, os especialistas conseguiram descobrir mais um: eles amenizam as crises de dor de cabeça
Não se espante caso um dia saia do consultório médico com a seguinte prescrição para as têmporas doloridas: sue a camisa, de preferência gastando a sola do tênis ou pedalando. É o que se conclui dos resultados obtidos pelo primeiro estudo epidemiológico sobre dor de cabeça realizado no Brasil. Assinado pelos neurologistas Luiz Paulo de Queiroz, da Universidade Federal de Santa Catarina, e Mario Peres, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o trabalho ouviu 3 848 pessoas escolhidas aleatoriamente, de ambos os sexos, com idade entre 18 e 79 anos, em todo o país.
O objetivo foi estimar a prevalência de enxaqueca e cefaleia — nome científico da dor de cabeça comum — entre os brasileiros. Além disso, procurou avaliar a relação entre esses tormentos e hábitos do dia a dia, como a prática regular de exercícios físicos. No final, os dados da pesquisa são um estímulo e tanto para todo mundo levantar da cadeira e se mexer — aliás, não só para quem vive com a sensação de que a testa está prestes a explodir. "Os sedentários apresentaram 43% mais enxaqueca e 100% mais cefaleia crônica, com crises diárias, do que os indivíduos que se exercitam", conta Queiroz. A explicação para esse elo entre menor incidência de dor de cabeça e malhação está nos nossos neurônios. "Os exercícios aumentam a produção de endorfinas, neurotransmissores que proporcionam bem-estar. Eles funcionam como uma morfina natural", compara o médico.
O especialista em medicina do esporte Moisés Cohen, também da Unifesp, acrescenta: "Alguns artigos sugerem que outras substâncias liberadas durante a atividade física, como a epinefrina e os esteroides, podem estar por trás do alívio". A melhora na circulação sanguínea, que provoca um aumento da oxigenação cerebral, é mais um fator que colabora para o fim das dores. "Sem contar a diminuição do estresse", complementa a neurologista Norma Fleming, coordenadora responsável pelo Ambulatório de Cefaleia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e presidente da Associação de Dor do mesmo estado.
Como as endorfinas estão diretamente ligadas a uma menor ocorrência de crises, os exercícios mais indicados para o combate da dor de cabeça são aqueles que mais estimulam a liberação dessas substâncias — os aeróbicos, como a caminhada, a natação e a corrida de baixo impacto. "Os exercícios de fortalecimento muscular também produzem algum efeito, porém em menor grau", nota o cardiologista José Kawazoe Lazzoli, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.
"As atividades que envolvem relaxamento, como o alongamento e a ioga, e as lúdicas, como a dança de salão, também podem ajudar a diminuir os sintomas, graças ao bemestar que proporcionam", observa o neurologista e especialista em dor Eduardo Barreto, coordenador do Serviço de Neurocirurgia da Rede D’Or, que compreende hospitais e laboratório no Rio de Janeiro. Em relação à frequência, para que a melhora da dor seja flagrante, os especialistas recomendam suar a camisa três vezes por semana, entre 30 e 60 minutos. "Mas, no meu estudo, até mesmo aqueles que fizeram uma única sessão semanal de exercícios apresentaram uma diminuição nas crises", afirma Luiz Paulo de Queiroz.
Além de privilegiar os esportes aeróbicos, a maneira como se pratica a atividade física conta muito. Se for feita de maneira incorreta, o feitiço se volta contra o feiticeiro — em vez de mitigar a dor, a malhação acaba por torná-la mais forte e, pior, pode aumentar o número de episódios de crise. "Os exercícios muito intensos ou realizados sem o devido aquecimento não são bem-vindos, especialmente para quem vive com dores de cabeça", alerta José Kawazoe Lazzoli.
Outra: para que o esporte só produza alívio, é fundamental alimentar-se bem antes e depois dos treinos. Respirar em um ritmo normal ao exercitar o corpo é igualmente recomendação importante. A tendência é prender a respiração quando a gente se esforça em demasia porque a glote, estrutura que se localiza na laringe e que impede a entrada dos alimentos nas vias respiratórias, se fecha. Mas daí a pressão arterial se eleva, o fluxo sanguíneo em direção à cabeça cai e, ui, não demora para aquela sensação ruim pintar na testa e adjacências. Além disso, só saia correndo por aí após se submeter a uma avaliação médica. "O aval de um especialista, assim como o acompanhamento de um fisioterapeuta ou fisiatra quando o indivíduo tiver problemas posturais, é imprescindível", lembra Barreto.
Infelizmente, nem todo mundo encara a atividade física como aliada contra as dores que atormentam a cabeça. "Existem trabalhos que, ao contrário, afirmam que a enxaqueca, em alguns casos, pode ser desencadeada pelos exercícios", conta Moisés Cohen. "Nos pacientes em que a crise é provocada pelo esporte, o problema ocorre mesmo quando ele é praticado corretamente", lamenta Norma Fleming. Ainda bem que casos assim são mais raros. "Fazer um diário da dor ajuda a identificar se esse é um dos agentes que funcionam como gatilho para o desconforto — ou se é o oposto, quer dizer, uma maneira de alívio", dá a dica Barreto. E claro: ninguém deve fazer nenhum tipo de atividade física em plena crise de enxaqueca. "Nessa situação, sim, os exercícios podem exacerbar o problema", alerta Luiz Paulo de Queiroz. Para quem não se encaixa nesse perfil — o que vale para a maioria — , a suadeira pode ser o melhor remédio.
Numa crise, onde dói?
O desconforto não se origina na massa cinzenta. Aliás, o cérebro, em si, não tem nervos e, portanto, é incapaz de sentir sua própria dor. Os músculos e os vasos sanguíneos da cabeça, estes sim, são bem vulneráveis, abrigando fi bras nervosas que disparam mensagens dolorosas por qualquer bobagem. O couro cabeludo, os ossos da face e as meninges, membranas que envolvem o cérebro como uma capa protetora, também são capazes de levar uma pessoa a urrar de sofrimento.
Os benefícios do corre-corre
1. Durante a atividade física, o organismo libera as endorfi nas, neurotransmissores que funcionam como um analgésico natural. "Elas agem bem nos centros reguladores da dor, que fi cam no tronco cerebral, na base da massa cinzenta", descreve Luiz Paulo de Queiroz.
2. Ao movimentarmos o corpo, a circulação melhora e, de quebra, o aporte de oxigênio para a cabeça. Isso já traz um alívio. Para completar, o exercício contribui para evitar alterações no calibre dos vasos, fenômeno típico das enxaquecas.
3. Exercitar-se ajuda a emagrecer. E, entre os diversos benefícios da perda de peso, está a diminuição na quantidade e na intensidade dos episódios de crise. Isso porque o excedente de gordura corporal eleva o nível de substâncias infl amatórias, que também estão por trás da dor de cabeça.
4. Os exercícios diminuem o estresse e, por tabela, as famigeradas dores. Não à toa. Há uma queda nas taxas dos hormônios secretados em resposta às emoções negativas, que são um gatilho para o problema. Sem falar na diminuição da tensão muscular, outra que só atrapalha.
O jeito certo de se exercitar
Comece devagar, principalmente se você é um iniciante. Não se esqueça de alongar-se, antes e depois da malhação, e de fazer um aquecimento. Procure o tipo de exercício que mais lhe dá prazer para que ele não se transforme em mais uma fonte de estresse.
Nem pense em começar a se mexer antes de visitar um médico. Com esse zelo, males preexistentes, como eventuais problemas de coração, poderão ser detectados, impedindo ocorrências graves. E repita a avaliação periodicamente.
Três vezes por semana, por cerca de 30 minutos — essa é a recomendação básica para que o organismo desfrute dos benefícios da atividade. Conforme o tempo vai passando, é possível aumentar esse período.
Uma hora e meia antes do treino, coma uma fonte proteica, que ajuda a recuperar e preservar os músculos. Uma hora antes, ingira carboidratos como os dos pães, que contribuem para a queima de açúcares e gordura durante o exercício. Depois da aula, faça um lanche com os dois nutrientes. Ah, hidrate-se o tempo todo.
Erros dolorosos
Ir com muita sede ao pote logo no primeiro treino decididamente não é uma boa ideia. As chances de acordar quebrado no dia seguinte e só conseguir voltar à academia depois de pelo menos uma semana são grandes.
Malhar de estômago vazio, assim como passar muito tempo sem comer após a atividade, é uma roubada. Aliás, o jejum por mais de três horas favorece as dores de cabeça. Com glicose de menos no sangue, os vasos tendem a se contrair.
Por outro lado, exercitar-se apenas por alguns minutos e voltar a treinar só depois de muito tempo também não é legal. Para obter todas as benesses da atividade física, o certo é manter a frequência regular.
A pressa de começar a se exercitar é tão grande que perder tempo em uma consulta médica está fora de cogitação? Cuidado. Isso pode causar uma dor de cabeça ainda maior se você tiver algum problema mais grave enquanto se exercita.
[box style="note"]Fonte: Revista Saúde
http://saude.abril.com.br/edicoes/0312/corpo/conteudo_478014.shtml[/box]